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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A Angustia de um peixe



Dizem que os humanos constroem a sua moral de acordo com os seus interesses. É por isso que as religiões, cada uma tem a sua moral, os políticos cada um a sua, cada nação é diferente das outras por causa de seus costumes que se constroem com base nas tradições morais e éticas. Como peixe, não posso pensar de forma diferente. Os humanos construíram a moral de que peixe não tem sentimentos. Isso não é verdade. Chegam a dizer, quando algum humano é limitado no pensamento, ou pensa diferente dos outros, que tem “cabeça de peixe”. Nem olham para os cuidados que temos, quando procriamos e guardamos os pequenos peixes, nossos filhos, na própria boca para preservar-lhes a vida. Tanto carinho que os humanos não vêm... E são os peixes machos que cuidam da prole, não as fêmeas. E os humanos nem fazem isto. Deixam os cuidados da prole com as mães. E o nosso sangue? Acaso os humanos reparam que temos sangue como eles? Que temos veias, coração, fígado, baço, miolos... Respiramos... Digna de nossa admiração foi a baleia que já foi peixe e se adaptou à terra firme. Então vendo tudo o que os continentais faziam, voltou para o mar e hoje é uma mamífera. Com todo o respeito, as baleias não nos comem, só comem plâncton, que é uma aglomeração de criaturas que também não sabem ler nem escrever, tão pequenas que só com uma lupa se conseguem enxergar. 

Nós, peixes, namoramos, transamos, temos filhotes, ensinamos os filhotes, cuidamos deles, e envelhecíamos, mas agora nem chegamos à idade de morrer e já nos matam. A cada ano somos menores em tamanho. Não nos deixam crescer.

Há entre eles, os humanos, há um grupo que se diz vegetariano, mas muitos também nos comem, e galinhas, e matam embriões comendo ovos e ovas de peixe, mas o que mais me angustia são as perseguições e o pouco valor que nos dão.  Caçam-nos por todos os mares, rios e lagoas. Um dia acabam conosco. Há um povo no oriente da Terra que chega a nos comer vivos, com a carne ainda pulsante, e matam baleias dizendo que é para pesquisar. Essa forma de pensar seria muito boa para extraterrestres que também quisessem pesquisar e matassem esses para pesquisa. Claro que isto que eu disse é uma idiotice de um peixe, mas serve para pensar como que o que é bom para nós pode ser horrível para os outros. Pensem no que sente um tubarão pescado, com as barbatanas cortadas e lançado vivo de volta ao mar. É angustiante porque morre de fome e de falta de ar, vendo seu próprio sangue colorindo de vermelho a água ao seu redor. 

Certa vez me livrei de uma morte quase certa, conseguindo saltar de um barco de pesca, borda afora, com tantos saltos que dei, sufocado, com falta de ar, mas o que vi, quase me vez vomitar. Nós estávamos lá embaixo d’água, passeando em cardume, brincado com nossos filhotes, ensinando-os a comer. A temperatura estava agradável, o fundo do mar colorido porque era primavera, e de repente correu o pânico entre nós, como nos velhos filmes de Hollywood, quando a cavalaria americana arremetia em carga sobre as aldeias índias dos Sioux, Pés pretos, Oglalas, Cheyenes. Era um morticínio geral, crianças não sendo poupadas.   Assim também aconteceu conosco. Uns nos pescavam com anzóis, e lá vinham meus irmãos, presos pelos anzóis, sentindo falta de ar, as guelras ardendo, olhos esbugalhados, língua de fora. Outros vinham nas redes, amontoados, alguns morrendo pelo peso dos       que estavam em cima. Todos sofrendo de falta de ar, como quem tem asma e não pode respirar. Vocês humanos não imaginam o sofrimento de nossa gente. E o desperdício? isso que nos dói. Uma boa parte de nossa gente, já morta, foi devolvida ao mar porque há uma lei que proíbe pescar tamanhos pequenos e os pescadores pescaram até os nossos netinhos. Tanto trabalho na vida para vê-los morrer assim, desperdiçados, mortes em vão. Não me admira nada, porque os humanos se matam uns aos outros por qualquer bobagem, como diferença de cor de pele, diferença de religião... Qualquer diferença é sempre motivo para fazer guerra e sair pelos campos e cidades matando-se entre si. Se fizéssemos guerra aqui na água como fazem os humanos em terra, já não haveria mais peixes.

Na semana santa, por causa de uma religião, não temos para onde fugir. Matam-nos implacavelmente.

Digam lá na peixaria do Barbosa que se não conseguiu vender todo o peixe, que baixe o preço. Assim pelo menos a nossa morte não terá sido totalmente em vão, e digam aos japoneses que baleias não se matam. Que façam pesquisa com a mãe deles. O Crivela é pastor e agora ministro da pesca. Será que vai aliviar a nossa condição?

Rui Rodrigues


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