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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Armando a Roubalheira


Armando a Roubalheira


Taumaturgo Bode, Zeca Vamporra e Verônica Dúbia se encontram no Bar do Chopp Grátis.


Chovia a Cântaros. As ruas da cidade estavam praticamente inundadas por falta de interesse público em resolver qualquer problema. Parecia que os céus desabavam sobre a cidade e que os deuses patrões a humanidade, já que nos condenaram ao trabalho eterno, estavam ausentes. Os governantes que elegemos para nos representar nem apareciam na TV para se defenderem dos ataques verbais lançados na mídia e pelas redes sociais. Estávamos em época pré eleitoral. Ninguém faz nada e tinham feito muito pouco. As denuncias públicas de roubalheira estavam pelos jornais, impregnavam até os poucos banheiros públicos ainda existentes. Sem banheiros públicos, velhinhos mijam nas calças ou nas ruas. A sociedade condena, mas já urinou em algum lugar e nem sofre de continência urinária. 

Fui até à porta para fechar o Bar. Tinha havido alguma freguesia pela tarde, mas agora à noite não havia ninguém na área, e até os automóveis eram poucos. Já junto à porta, vi parar um táxi. Percebi que a noite seria longa. Nada mais nada menos que um homem que eu não conhecia, gordo, avantajado, estava acompanhado de três personagens que eu conhecia muito bem. Eram os fantasmas Taumaturgo Bode, Zeca Vamporra e a linda e gostosa Verônica Dúbia esta a mais linda fantasminha, minha camarada. Voltei a pousar o gancho da porta de correr a um canto e com uma vênia, indiquei-lhes o caminho da sala principal do Bar. Cumprimentaram-me com acenos de cabeça e entraram.

Verônica Dúbia pediu que lhes disponibilizasse a sala reservada. Acompanhei-os e preparei-me para anotar os pedidos.

(Verônica Dúbia) – Deixe-me apresentar-lhe um amigo nosso, o senhor Karl Kaskat. Ele gosta muito de animais e tem uma ONG que só cuida de bichinhos. Ele faz muita propaganda para defender o seu zoológico. Sai por aí grudando propaganda em todos os postes da cidade. É muito rico e poderoso e a ONG é auto-sustentável. (E olhando para eles) - O que vamos traçar?

(Taumaturgo Bode sorrindo) – Um traçado mesmo!
(Zeca Vamporra) – Um Bloody Mary...
Karl Kaskat – Uma garrafa de champanhe para mim e para ela (apontando para Verônica Dúbia)

Os outros dois se insurgiram (Taumaturgo Bode e Zeca Vamporra): -Péraí (disse o Zeca). Nesse caso não vamos destoar. Vamos todos de champanhe... (Verônica Dúbia arrematou): - Nacos de lagosta na manteiga com limão, torradinhas com caviar e rodelas de ovo e bolachas champanhe, pela ordem para acompanhar.  

Discretamente saí e fui preparar os drinques. Olhei em volta para ver se alguém estava vendo, e liguei o meu programa de “vigilância” do interior do Bar, mais especificamente da sala reservada e cliquei em “gravar”. Preparei as bebidas e os petiscos e levei pessoalmente, em duas viagens, até a sala. Não quis que vissem uma amiga escondida atrás do balcão. Se vissem eu estaria numa encrenca dos diabos. 

Conversavam em voz baixa e estavam muito animados, as cabeças sobre a mesa, umas na direção das outras demonstrando confiabilidade, aliança, congraçamento. Por via das dúvidas face ao tipo de petiscos, supri a mesa com bastantes guardanapos.

Ficaram lá por longo tempo, pedindo mais champanhe. Então decidiram sair. 

- Quem paga o táxi? - (Perguntou Verônica Dúbia).
- Eu pago, disse Karl Kaskat. Já paguei a conta também. Sabem que comigo não há problema de dinheiro... (todos assentiram com a cabeça).

Eram duas da manhã quando finalmente saíram do Bar.

Ao efetuar a limpeza da mesa, verifiquei que tinham escrito nos guardanapos. Estavam todos rabiscados, cheios de contas, pontos de interrogação, cifras envoltas em círculos. Deduzi que os valores se referiam a moeda nacional e pelas siglas que se tratava de uma distribuição de um botim,um tesouro, e pelos valores anotados, deveria ser o tesouro nacional.

Pensando já em não dormir, assegurei-me mais uma vez que as portas do Bar estavam bem trancadas e assisti à gravação. Para meu desespero, a gravação estava deficiente e cheia de lapsos. Não tinha explicação para isso. Mas pude entender o que se segue:

-...O resumo é o seguinte: Com o grau de insatisfação da direita e da esquerda, face aos escândalos da política, pode acontecer do TERSOL ganhar as próximas eleições. Nas anteriores já conseguiram mais de vinte milhões de votos. Precisamos de muito dinheiro para as eleições, para comprar os votos e obrigar ao voto de cabresto (disse o Zeca Vamporra).

-... O Karl Kaskat tem que ficar calado o tempo todo durante os interrogatórios. Não pode entregar ninguém senão damos um jeito e tem que levar chumbo... Internamente eu asseguro o imbróglio para demorar até vencer as oposições pelo cansaço. Os que recebem mensalmente vão negar tudo que disseram e vão ficar calados também (Taumaturgo Bode e virando-se para o Karl, disse): - Entendeu direitinho?

(Karl Kaskat engoliu em seco).

-... Não se esqueçam que as licitações são sempre de “mão na cumbuca”. Por isso todas as outras empresas estão angariando fundos porque ganharam obras no programa como num pacote. A minha empresa ganhou umas obras, elas ganharam outras. Dinheiro não vai faltar. Minha OGN sempre tem dinheiro, não é tanto, mas posso arranjar algum. (disse Karl Kaskat, o único que não era fantasma, além de mim, é claro, mas todos nós virtuais).

.-... Vão ser mesmo as eleições mais caras de toda a história. Já estou pensando no que fazer com as sobras de campanha. Não quero levar uns tecos como o PC. (disse Zeca Vamporra, e voltando-se para Taumaturgo Bode, complementou:) – Não farias isso comigo, Taumaturgo. Farias?

Taumaturgo balançou negativamente a cabeça várias vezes de forma enfática, dizendo: - Eu? que é que eu tenho a haver com isso? (ninguém respondeu nem sim nem sopas).Mas podem deixar que vou falar com ela para impor sigilo nisso tudo e ainda aumentar o valor das obras para não prejudicar o andamento dos negócios. 

-... Sei que os Bancos vão contribuir com uma baba muito grande! (Verônica Dúbia), e com verbas do Banco de Desenvolvimento através de “empréstimos” que depois viram pó com os prejuízos, os esquecimentos e os Contadores que sempre dão um jeito na contabilidade do Banco... Grana no bolso e barra limpa!

-... Não !!! está tudo bem (disse Taumaturgo Bode). Só tem meia dúzia de gatos pingados nas ruas de vez em quando. Revolta popular igual à do impeachment está fora de cogitações. Ninguém sabe de nada destas tramoias embora todos desconfiem. Até lá no meu meio eles aprovam qualquer coisa sem nem ler o que aprovam. Estão lá só para ganhar grana e obedecer aos partidos. Na hora de assinar olham pra mim e já me conhecem. Aprovam direitinho. Eu acho que aquela cena do Impeachment foi lamentável. Nunca deveria ter acontecido.

-... Ideologia já era (disse Zeca Vamporra). A classe C já se julga da classe média, quer ganhar mais e gastar mais. Como ganha mais um pouco do que o nada que ganhavam, estão quietos e sob controle. Um dia se dirão capitalistas. (pelo vídeo vi que todos abanavam a cabeça afirmativamente)

-... É. O caminho parece que é o capitalismo mesmo. (Taumaturgo Bode). Quem não gosta de ter algumas coisas básicas como automóvel, computador, celular, bolsas caras, dinheiro para sair do SUS, morar em bairros sem esgoto a céu aberto, etc... No comunismo, no socialismo e no capitalismo sempre houve e ainda há bairros melhores e bairros piores que são ajuntamentos de restos de lixo. Nem diferença há nas proporções. Por isso que fiz a transição daquela dura para esta mais mole.

Começaram a se arrumar nas cadeiras, apanhando os seus pertences. Iam sair. 

(Karl Kaskat se adiantou)... Nada disso! Podem deixar que eu pago a conta! 

A ultima imagem gravada foi a do Karl Kaskat segredando em meu ouvido que depois passaria pelo Bar para pagar a conta porque no momento estava desprevenido. Assinou num guardanapo.

Minha amiga saiu detrás do balcão e veio para os meus braços, ali mesmo no sofá. Já tinha esperado tempo demais.


Rui Rodrigues

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